quarta-feira, 15 de julho de 2009

A crise sistêmica do sistema capitalista

Em sua passagem pelo Brasil, François Sabado, principal dirigente do Novo Partido Anticapitalista (NPA), da França, conversou com a IHU On-Line, por telefone, sobre a crise financeira mundial, as consequências para a Europa e também sobre as propostas do partido que ajudou a construir em seu país. Ele participou, na terça à noite, de um debate em Curitiba junto com nossos parceiros do Cepat. Muito receptivo, François, que também é filósofo e militante da IV Internacional, disse que a crise que vivemos hoje é estrutural e não apenas financeira. Em decorrência da atual crise, ele diz que a situação em toda a Europa é bastante preocupante. Neste cenário, então, surge o Novo Partido Anticapitalista, “uma convergência política de várias correntes”, define.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que influências a crise financeira mundial teve na crise da civilização capitalista?
François Sabado – A crise que temos hoje é estrutural, sistêmica. Não é somente financeira ou bancária, mas sim a combinação de uma crise do sistema capitalista com a crise ecológica. O primeiro ponto importante é compreender o seu porte dimensional. O segundo ponto é que se trata de uma crise vinda dos Estados Unidos e da Europa. O terceiro é que precisamos compreender que ela não é resultado apenas do exagero do sistema financeiro, a partir do jogo das bolsas ou corrupção, mas vem também de uma lógica interna do sistema capitalista que quer lucrar ainda mais, o que implica numa situação onde se reduz o salário para aumentar os lucros.

Por outro lado, como há esta situação de limitação de capacidade de produção, o capital não inverte a produção dosistema financeiro, o que provoca uma crise de superacumulação de capital. Essa é a situação em nível econômico. A combinação com a crise ambiental é o dado novo nesta crise. Há vários anos, estamos chegando a uma série de limites com os problemas de mudanças climáticas, de poluição, de limitação de água etc. E tudo isso pode se transformar em reais catástrofes humanas, como o que ocorreu em Nova Orleans, nos Estados Unidos, com o Katrina. Podemos perceber isso em vários lugares do planeta que conhecem catástrofes assim. Por isso, a crise ecológica é também tão importante e não se pode responder a ela com o capitalismo. Podem ser feitas reformas, melhoras, mas o capitalismo implica em produzir cada vez mais, e, se há produtivismo, não é possível solucionar os problemas do planeta. Por isso, este novo partido que se apresenta na França é, ao mesmo tempo, anticapitalista e antiprodutivista.

IHU On-Line – De que maneira essa crise financeira muda a situação política internacional?
François Sabado – Isso é um importante ponto para se fazer uma análise global. No entanto, se pode dizer uma coisa desde já: todas as políticas neoliberais levaram à catástrofe econômica. Mesmo do ponto de vista capitalista, há uma crise do tipo que aconteceu em 1929 e há um final de ciclo dessas políticas. Isso produz uma situação de crise do capitalismo da classe dominante, mas não quer dizer que as classes dominantes estão encontrando uma saída para a crise. As classes dominantes não estão reconstruindo um novo Estado de Bem-Estar social, pois continuam as políticas neoliberais, a supressão do serviço público, a supressão dos funcionários, os ataques contra os trabalhadores, a desregulação jurídica sobre o trabalho. Estamos numa crise e prosseguem as políticas capitalistas, o que implica confrontação social com os trabalhadores e movimentos de assalariados, pois as classes dominantes querem que os trabalhadores paguem o preço dessa crise. Isso, portanto, pode provocar um novo ciclo de lutas sociais.

IHU On-Line – Quais as principais dificuldades que a Europa vive diante dessa conjunção de crises?
François Sabado – Por exemplo, na França a situação é muito preocupante. Hoje, há mais de quatro milhões de pessoas desempregadas numa população ativa de 25 milhões. Mais de 20% da população ativa está parada. Há baixa de produção industrial, de taxa de crescimento. Em toda a Europa há taxas de crescimento negativas. Essa situação é bastante difícil porque há muitos desempregados que são despedidos das fábricas, muitos salários foram bloqueados, há políticas de deflação salarial em alguns países. A situação é preocupante porque as pessoas tiveram de passar por mudanças muito radicais.

IHU On-Line – Diante dessa crise da civilização capitalista, qual o papel da esquerda no mundo hoje?
François Sabado – Os problemas estão voltados para a organização da esquerda. Há uma esquerda, a do século XX, que foi remodelada e dominada pelo stalinismo e pela social-democracia, e que continua com a conversão da social democracia em social liberalismo que hoje domina a esquerda. A esquerda não apresenta alternativas à crise e se adapta ao liberalismo. Creio que hoje é necessário construir uma nova esquerda, radicalmente anticapitalista, que proponha uma nova redistribuição radical da riqueza, mas também uma mudança de propriedade da sociedade da economia, terminando com a propriedade privada dos grandes meio de produção e substituindo a propriedade privada pela propriedade pública. Além disso, a esquerda precisa propor um novo modo de produção e de consumo que responde à crise ecológica. É isso que implica uma nova esquerda, mas, para que ocorra essa mudança, é preciso um longo prazo e duração, o que não pode ser feito em meses ou anos. Estou convencido de que a reconstrução da esquerda anticapitalista irá acontecer.

IHU On-Line – O que propõe o Novo Partido Anticapitalista?
François Sabado – O Novo Partido Anticapitalista na França é uma nova forma de organização a partir da convergência da experiência de lutas de diferentes pessoas que vêm das fábricas, da juventude, do subúrbio. Não se pode compreender esse Novo Partido Anticapitalista sem compreender a luta de classes que há na França. Na França, há uma característica diferente de outros países da Europa, pois este é um país de revoluções. Nele, ocorreu a Revolução Burguesa no século XVIII e há, desde então, uma onda regular de lutas, de crises, de situação pré-revolucionária. Também existe um nível de lutas de classes muito importante.

O Novo Partido Anticapitalista é uma resposta a essa situação histórica particular, tentando converter lutas de vários setores, desde o velho movimento até os novos movimentos sociais, como o movimento feminista, ecologista, juvenil. Por outro lado, também queremos fazer uma convergência política de várias correntes: revolucionária, sindicalista, associação, do partido comunista, do partido socialista. E, com isso, fazer uma nova síntese política. Isso é muito difícil, mas vale o esforço. Eu venho do movimento trotskista e estou convencido de que há pontos positivos desse novo partido. O Novo Partido Anticapitalista será exatamente isso: uma convergência política de várias correntes, o que me parece muito importante. Será um partido democrático, com debate interno, com possibilidades de confrontação, identificação social e política com o povo. Uma de suas razões é não fazer políticas como profissionais, mas para os trabalhadores, uma política autêntica, com a qual as pessoas possam se identificar.

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