quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Protestos marcam o enterro de quilombola

Protestos marcam o enterro de quilombola
Jornal A TARDE

Diego Mascarenhas AG. A TARDE


Em clima de tranquilidade, mas com direito a muitos protestos, foi sepultado no final da tarde de ontem, em São Francisco do Paraguaçu, distrito a 22 km de Cachoeira (a 110 km de Salvador), o corpo da trabalhadora rural Maria das Dores de Jesus Correia, 60, no mesmo cemitério em que foi enterrado, no início do mês, Altino da Cruz, uma das principais forças da Associação dos Remanescentes do Quilombo de São Francisco do Paraguaçu.

′Maria do Paraguaçu′, como era conhecida na comunidade, morreu anteontem de derrame cerebral (AVC), no Hospital Roberto Santos, onde estava internada desde sábado. Ela passou mal após receber uma intimação policial. O cortejo, que saiu às 16h, foi acompanhado por muitas pessoas, em sua maioria quilombolas, portando faixas e cantando. Eles associam as duas mortes às perseguições dos fazendeiros da região, que disputam a posse das terras.

Desde o reconhecimento, em 2005, as famílias quilombolas começaram a ser impedidas por cercas de terem acesso às terras, matas e mangues que tradicionalmente ocupam. Ameaçadas por fazendeiros da região, as famílias estão sendo impedidas de fazer o plantio de seus alimentos.

O enterro de Maria das Dores reuniu um grande número de instituições, como o Movimento dos Pescadores e Quilombolas do Recôncavo; quilombolas da Ilha de Maré, Maragojipe, Salamina Putumuju, Acupe, Girau Grande e Guerém; pescadores de Salinas da Margarida, São Braz e Salvador; o deputado federal Luís Alberto (PT); e representante do Instituto Chico Mendes.

Antes do enterro, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador organizou celebração, exibindo um vídeo que retratou a luta de Maria das Dores pelo reconhecimento da comunidade quilombola e a titularidade das terras.

Carente - "Maria das Dores era uma brava lavradora que sofreu perseguições por lutar por seus direitos. A comunidade está carente de uma ação mais específica dos poderes públicos diante desse conflito que está vivendo", lamentou frei Luciano Bernardi, da Pastoral da Terra.

Maria José Honorato, do Conselho Pastoral dos Pescadores, diz que houve reivindicação de segurança para a comunidade a diversos órgãos, como a Polícia Federal, mas não houve resposta. Para ela, a presença do Estado é falha nas questões fundiárias, o que acirra os conflitos entre fazendeiros e remanescentes. Até o final da tarde de ontem, a reportagem procurou a assessoria de comunicação da PF no Estado, mas não teve sucesso. Durante o enterro, dois policiais militares fizeram rondas, mas não houve qualquer indício de conflito.

A comunidade foi reconhecida como remanescente de quilombo em 2005 pela Fundação Palmares e aguarda o processo de regularização fundiária, já iniciado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na Bahia (Incra). Enquanto o direito a terra não é concedido, os quilombolas de São Francisco tentam resistir às agressões e até ameaças de morte feitas por fazendeiros da região. De acordo com a assessoria de comunicação da Superintendência Regional do Incra, no dia 9 de janeiro será realizada uma audiência em Brasília, com o ouvidor agrário nacional adjunto, desembargador João Pinheiro, para discutir a grave situação de conflito em que vivem os quilombolas de São Francisco do Paraguaçu. O objetivo é buscar uma solução pacífica para o caso.

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