quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Agricultores temem fazendeiros

Agricultores temem fazendeiros
Jornal A TARDE

Diego Mascarenhas AG. A TARDE


A morte de Maria das Dores de Jesus Correia, 58, e Altino da Cruz, 60, duas das maiores forças quilombolas de São Francisco do Paraguaçu, distrito a 22 km de Cachoeira (110 km de Salvador), deixou a comunidade abalada e assustada. As mais de 350 famílias remanescentes de quilombos que vivem nessa localidade acusam fazendeiros de tentar intimidá-los e persegui-los.

Maria das Dores morreu no início da tarde de ontem, por volta das 15 h, de derrame cerebral (AVC), no Hospital Roberto Santos, onde estava internada desde sábado. Neste dia, ela passou mal após receber uma intimação policial. Altino da Cruz morreu no dia 18 de dezembro, de ataque cardíaco, após mais uma decisão judicial, autorizando a demolição de suas roças, onde cultivava há mais de 40 anos.

Os dois não resistiram às constantes ameaças de terem que abandonar suas roças onde plantam, e os mangues, de onde retiram o alimento. O enterro de Maria das Dores está previsto para hoje, às 11 horas, no Cemitério de São Francisco do Paraguaçu, onde são esperadas lideranças políticas do Estado e representantes de órgãos ambientais e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), como ocorreu no enterro de Altino da Cruz. "Meu pai era um negro trabalhador e travava uma longa batalha. Foi o mais perseguido e nunca desistiu da luta. Criou os 13 filhos nessas roças, de onde não sairemos", garantiu Alcides Reis da Cruz, um dos filhos de Altino.

O clima é de indignação em São Francisco do Paraguaçu, onde a comunidade quilombola corre atrás da regularização de suas terras e, por isso, enfrenta sérios problemas para garantir o reconhecimento de suas áreas, inclusive com ameaças físicas de fazendeiros que disputam a posse. "Estamos muito abalados com a morte de Altino, uma das maiores forças dos quilombolas. Era um sábio, um conselheiro, mas não resistiu à pressão", lamentou Crispim dos Santos, coordenador da Associação dos Remanescentes de Quilombos Boqueirão-São Francisco do Paraguaçu.

De acordo com a advogada da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, Juliana Neves Barros, Maria das Dores teve um derrame hemorrágico e foi transferida da Santa Casa de Misericórdia de Cachoeira para o Roberto Santos na noite de anteontem. Os quilombolas associam as duas mortes às perseguições dos fazendeiros da região. "Pode ter ligação indireta, pois eram pessoas idosas, que travavam luta antiga por suas terras. As pessoas idosas nesse processo sofrem maiores perseguições por parte de fazendeiros e têm um processo de criminalização forte dessas lideranças, que respondem a muitos processos", salientou.

Para a advogada há um histórico de decisões judiciais arbitrárias ordenando a reintegração de posse. "São um tanto quanto arbitrárias essas ordens de despejo dessas famílias, a demolição de suas roças, que é a forma de sustento delas. São expulsas arbitrariamente e ameaçadas por fazendeiros e isso é objeto de sindicância no comando da PM em Cruz das Almas e investigação da Polícia Federal, que concluiu pela atuação ilegal, clandestina, de policiais na região", afirmou Juliana Barros. Segundo a advogada, esses policiais são contratados por fazendeiros sob pretexto de cumprirem ordens judiciais.

Reconhecimento - Diante do manifesto feito pelo Movimento dos Pescadores e Quilombolas do Recôncavo, a Superintendência Regional do Incra, na Bahia, informou que reconhece a liderança que era exercida pelo trabalhador rural Altino da Cruz. Segundo o órgão, sua colaboração, durante os trabalhos de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Território Quilombola de São do Francisco do Paraguaçu foi de grande valia para o andamento das atividades do Incra, que, através da assessoria de comunicação, deixa claro que continua a cumprir seu papel institucional, que é a regularização do território ora identificado.

Ainda sob o impacto das mortes, a comunidade local demonstra temor pelas ações violentas e intimidatórias de fazendeiros da região. Segundo relato dos moradores, no dia 21 de dezembro, um fazendeiro circulou portando armas em punho pela comunidade, acompanhado de dois homens. O fazendeiro procurava por Crispim dos Santos, conhecido por 'Rabicó', também liderança da luta quilombola, e ainda desrespeitou a esposa dele quando ela informou que Rabicó não estava em casa. Segundo testemunhas, o fazendeiro estava com algemas e arma em punho, dizendo que tinha "ordens de Brasília para levar Rabicó". "Eles queriam intimidar meu marido e a sorte dele foi que estava em Iguape, trabalhando", contou Ana Paula Barros dos Reis, mulher de Crispim.

Para os quilombolas, não está havendo segurança.. "Não adianta nos reconhecer como remanescentes quilombolas, dar a terra e nos deixar largados, alvos de ameaças e agressões", teme Dermevaldo dos Santos, 58.

O temor de que alguma tragédia ou crime venha acontecer nesse período é grande. Por isso, antes do Natal, a Associação dos Remanescentes do Quilombo de São Francisco do Paraguaçu, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais AATR/BA, o Conselho Pastoral dos Pescadores CPP, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador e a Comissão Pastoral da Terra divulgaram nota, endereçada ao Ministério Público Federal e Estadual, Polícia Federal, Ouvidoria Agrária, Casa Civil e Secretaria de Promoção da Igualdade do Governo da Bahia, e jornal A TARDE, dando conta do clima violento em São Francisco do Paraguaçu, intitulada "Fazendeiro armado ameaça quilombolas de São Francisco do Paraguaçu", e pedindo providências.

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