segunda-feira, 11 de maio de 2009

O passado de expolração refletido nas desigualdades do presente

Com apenas dois artigos, escritos com uma pena de ouro cravejada de brilhantes, a Lei Áurea tornou livre os 723.719 escravos que existiam oficialmente no Brasil no dia 13 de maio de 1888. Mas é claro que uma simples assinatura – mesmo que seja a assinatura de uma princesa e mesmo que tenha sido feita com um instrumento de escrita tão luxuoso – não poderia apagar três séculos de exploração. Ao contrário! Após tantos anos de dominação, a abolição lançou os negros em uma sociedade preconceituosa sem dar a eles condições de se estabelecer.

Na tarde ensolarada do domingo em que a Lei Áurea foi assinada, o Brasil não se livrou do seu passado e, ainda hoje, precisa aprender a lidar com ele. A Síntese de Indicadores Sociais 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) – que reúne dados de pesquisas referentes a população, família, educação, trabalho e rendimento – mostra que a situação social de brancos, pretos e pardos, infelizmente, reflete as histórias de desigualdade e de exploração que se iniciaram logo após o descobrimento e que ainda não tiveram fim.

Os indicadores do IBGE não só apontam para a manutenção destas desigualdades como ainda evidenciam o agravamento de algumas. É o caso, por exemplo, da participação dos negros no ensino superior. As taxas de frequência em curso universitário mostram que em todas as idades a população branca apresenta níveis mais elevados. Os estudantes negros e pardos não conseguiram alcançar em 2007 (data da última pesquisa) as taxas de frequência que os brancos apresentavam 10 anos antes.



A consequência direta está no número de pessoas com ensino superior concluído, um importante diferencial no mercado de trabalho. Se em 1997, 9,6% dos brancos e 2,2% dos negros e pardos apareciam com nível superior completo; em 2007, estes percentuais são de 13,4% e 4%, respectivamente. Assim, o hiato entre os dois grupos, que era de 7,4 pontos percentuais em 1997, passa para 9,4 pontos percentuais em 2007. Ou seja, a composição racial das pessoas que completam o nível superior permanece inalterada e, com isso, os obstáculos para a ascensão social se mantêm.

Desigualdades nas escolas e nos salários

Entre os estudantes mais jovens, com idade entre 15 e 17 anos, as diferenças também são bastante significativas. Enquanto 85,2% dos brancos estudam, sendo 58,7% no Ensino Médio, adequado a esta faixa etária; 79,8% dos negros e pardos frequentam a escola, mas apenas 39,4% são alunos do Ensino Médio. A média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais de idade continua a apresentar uma vantagem em torno de dois anos para brancos, com 8,1 anos de estudo. Negros e pardos têm, em média, apenas 6,3 anos de estudo.

A desigualdade entre as raças é refletida também pelas taxas de analfabetismo e de analfabetismo funcional. Em números absolutos, dos pouco mais de 14 milhões de analfabetos brasileiros, quase 9 milhões são negros e pardos. Em termos relativos, a taxa de analfabetismo da população branca é de 6,1% para as pessoas de 15 anos ou mais, já a da população negra e parda supera 14%. Ou seja, mais que o dobro.



As diferenças nas salas de aula se refletem, claro, nos salários e na composição das classes sociais. Os rendimentos dos negros e dos pardos são cerca de 50% menores. E, o mais grave, esta diferença não se explica apenas pelas desvantagens de escolaridade. Comparando os rendimentos de grupos com igual nível de escolaridade, o IBGE percebeu que o rendimento-hora dos brancos é até 40% maior. Enquanto entre os mais pobres os brancos representam pouco mais de 25%, nas classes mais favorecidas eles atingem 86%. Já os negros e pardos representam 74% dos mais pobres e 12% dos mais ricos.

“O fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde o início da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária”, escreveu Milton Santos, geógrafo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo. É tempo, portanto, de deixar de perpetuar o passado.

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